Por surpreendente que possa parecer, os políticos europeus
conseguiram alienar ainda mais os seus constituintes, os cidadãos europeus, de processos
de decisão ou neste caso de informação concreta sobre decisões políticas. Falo
claro do caso em que Schauble, em conversa privada na reunião dos ministros de
Finanças da UE, aludiu a que a Alemanha estará preparada para eventualidade de
uma renegociação do programa da troika. A notícia pode ser alongada com a
resposta um tanto furiosa de Scauble á divulgação das imagens televisivas da
dita conversa com Vítor Gaspar. Parece que os alemães ainda não estão
mentalizados que terão que aliviar o fardo do endividamento externo de Portugal
dos restantes PIGGS com um alargamento do programa de ajuda internacional a
estes países. Como tal Schauble obteve a reacção dos Herrs e Frauleins que
esperava caso tamanhas possibilidades há muito calculadas pelo governo federal
alemão chegassem a público. Não querendo negligenciar os outros aspectos
igualmente importantes da questão europeia e em particular da actual crise e do
papel da Alemanha em tudo isto, entendo que o cerne da questão deverá ser a
necessidade de instaurar, em absoluto, o direito de informação em todas as
esferas da informação.
No século da informação e dos media, acho espectacular a
reacção de Schauble. Este individuo sabia aquilo que muitos já economistas
alemães e investidores por quase todas as praças bolsistas, em especial as
americanas, que Portugal precisará de uma renegociação do programa acordado. Contra
este facto quase consumado o governo alemão nega, tal como o português, que
será necessário um ajustamento. Pois bem parece que a probabilidade de tal
acontecer é tão elevada que a Alemanha tomou provisões nesse sentido. Querendo
resumir Schauble não foi diferente de qualquer outro politico no lugar dele ou
mesmo de um politico no lugar de Passos Coelho. Quis afastar a confirmação, ou
melhor, a informação que o governo alemão está a contar com um ajustamento, tal
informação seria devastadora para os mercados ou talvez não o fosse bem como
prejudicaria as possibilidades politicas da CDU nas eleições federais alemães.
Esta acaba por ser uma velha questão, até onde podemos
delegar o poder discricionário de um governo sonegar informação politicamente
legitima ao um povo? Durante séculos as classes mais poderosas foram
conservando uma estreita relação com os meios de comunicação social pelo poder
que nestes estava encerrado, o poder da informação. Na actual realidade
tecnológica, a informação é mais que um direito dos cidadãos, mas também um
dever cívico que não obstante de tal é claramente limitado pelos governos. A
nível nacional podemos dizer que nesse sentido muito podia ser feito, mas a
nível europeu nem sabemos por onde começar. Existem meios de comunicação tão
nacionais como internacionais com níveis de independência que fazem corar o
resto do mundo de inveja, ou seja, em termos de oferta jornalística estamos
muito bem servidos. Contudo os jornalistas não conseguem chegar a todas as
informações necessárias e tal acontece em muito pelos legítimos interesses
nacionais de preservar informação como confidencial e fundamental para a segurança
nacional e soberania. Tal protecção é feita pelo ónus do portador de informação,
ou seja, aquele que possui a informação, neste caso o governo, deve mantê-la
secreta através de sistemas de segurança na informação e serviços secretos.
Este é o preço que pagamos pela liberdade em todas as suas formas.
Mas quanto ao meu e o seu direito de obter informação sobre
as actividades do governo? Onde está a fisga que permita-me derrubar esses
Golias que é o establishement? Aquilo
que permite-me defender perante os abusos das entidades oficiais que deveriam
proteger os meus direitos fundamentais? Felizmente os americanos desde os anos
70, se não estou em erro, tem uma lei, o Freedom of Information Act, algo que
legalmente pode ser accionado por qualquer cidadão norte-americano para pedir
esclarecimento sobre as actividade do seu governo seja ele estatal ou federal
nas mais várias actividades (apesar deste ter tido muito reveses com
GeorgeW.Bush). Tudo isto para garantir a transparência dos agentes e do próprio
governo. Talvez seja tempo de estruturar a Europa para além dos níveis
diplomáticos, fiscais, orçamentais, financeiros e económicos. Precisamos de dar
consistência moral á Europa e aos seus decisores políticos, precisamos de legitimidade
politica para aqueles que tomam a decisões, de uma estrutura inequivocamente democrática que
garanta um estado de direito a todos os Europeus. Falta-nos uma constituição
europeia que diga claramente quais os direitos e deveres dos europeus e de instituições
fortes e independentes, só esse será o caminho para derrotar no longo prazo a
instabilidade financeira e moral do projecto europeu.