quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Médicos a mais ou Licenciados sem profissão?


Iremos dedicar as próximas crónicas a explorar os problemas do SNS e possíveis reformas.


Qualquer "reforma", para ser verdadeiramente eficaz, deve avaliar todos os factores que contribuíram para que se chegasse à situação actual. Um desses factores é a formação dos profissionais do sector em questão. Assim, hoje discutiremos a formação médica.


Actualmente, em Portugal, o sistema formativo da medicina tem a seguinte estrutura:


6 anos de curso base –> exame de acesso à especialidade -> ano comum -> especialidade (4 a 6 anos). Convêm informar que o acesso ao ano comum é por nota final de curso e o acesso/escolha da especialidade é apenas pela nota obtida no exame de acesso á especialidade.


Como podem verificar, a formação base em medicina tem uma duração de 6 anos, a formação mais longa e mais cara do ensino superior público. Ao final desse período o recém-Licenciado/Mestre em Medicina (L/M) sai da faculdade para enfrentar o mercado de trabalho. Em que pode trabalhar este indivíduo? Nada! Pois um L/M não é um médico.


Para ter autonomia, ser médico e poder praticar, um Licenciado/Mestre em Medicina tem de passar por dois anos de prática tutorada. Consequentemente, em Portugal, obrigatoriamente, tem que se ser especialista para poder exercer medicina (não percebeu as contas? consulte o esquema de cima)!


Dir-me-ão, mas isso sempre foi assim e nunca houve problemas. Errado e Certo!


Errado pois nem sempre foi assim. O modelo anterior era constituído por: 6 anos de curso base –> internato geral (2 anos) -> exame de acesso à especialidade -> especialidade (4 a 6 anos). Ou seja, em vez do ano comum havia 2 anos de Internato Geral (medicina tutorada), no fim dos quais o licenciado em medicina tornava-se médico e podia exercer.


Certo, nuca houve problemas, até agora! Pois, até agora, todos os L/M tinham acesso ao ano comum e à especialidade, o que tornava felizes os L/M e o estado, pois tinha o seu retorno "garantido".


Contudo, os números (oficiais) indicam que a partir o próximo ano haverá um diferencial negativo entre o nº de vagas e o de candidatos devido ao preenchimento total da capacidade formativa nacional, consequência do crescente nº de alunos a entrar nas faculdades de medicina. Isto é, nem todos os L/M terão acesso ao ano comum, e destes, nem todos têm acesso á especialidade. Consequentemente, "um dia" haverá desemprego médico, mas "amanhã" existirão centenas/milhares de L/M que não saberão o que fazer pois vêm-lhes vedado o acesso, não ao mercado de trabalho, mas á própria carteira profissional. Reparem que não se poderá falar de desemprego médico, pois estes L/M ainda não são médicos!


Que sentido é que isto faz? Nenhum! Em que outra profissão uma formação base não chega para se poder trabalhar? Nenhuma! Isto é algo que não é justo para quem estuda e um péssimo investimento do estado/sociedade, pois não tem o retorno do que investiu naquele indivíduo.


Existem alternativas? Sim:


i) Recuperemos o modelo anterior e melhoremo-lo, juntando-lhe "um toque Francês". Isto é, considere-se a formação base 8 anos (6 anos de curso base + 2 de internato geral) findos os quais o indivíduo teria carteira profissional com o título de médico generalista (como em França). Estes médicos generalistas (diferente de médico de clínica geral, a qual é uma especialidade) são a base do sistema de saúde francês (considerado o melhor do mundo) pois podem trabalhar tanto nos hospitais como nos centros de saúde (por exemplo como tarefeiros) suportando as necessidades de cuidados de saúde primários.


ii) Peguemos na proposta anterior e tornemo-la ainda mais pragmática: 5 anos de curso base + 2 de internato geral. Isto é, considere-se o 6º ano do actual curso base (o qual já é profissionalizante) como um dos dois de medicina tutorada, e faça-se um curso de 7 anos no final do qual o Mestre em medicina é médico generalista (similar ao modelo Belga).


Desta forma, com uma única medida resolver-se-ia, o problema dos L/M que não têm profissão, o problema da falta de cuidados de saúde primários e o retorno para o estado/sociedade do investimento feito nestas pessoas. Para isso "basta" i) passar o actual ano comum da alçada do ministério da saúde para a alçada do ministério do ensino superior, ficando toda a formação base da responsabilidade deste ministério e ii) a ordem dos médicos dar a carteira profissionalizante a estes L/M.



O que vai VOCÊ FAZER em relação a isso?