sexta-feira, 2 de março de 2012

Cifose política


Desde a chegada, pelo menos em termos mediáticos, da crise internacional em 2008 pouco mudou. Bem podemos dizer que em Portugal as condições da generalidade dos portugueses piorou subtancialmente, mas na sua substância tudo parece na mesma, apesar de que quase em todos os quadrantes da sociedade se vaticina que muita coisa tem que mudar. A nossa inércia social já é há muito conhecida. Já falamos bastante sobre os inúmeros motivos que contribiuem para a corrente situação e de certo que continuaremos a falar da crise e das suas causas.

Talvez hoje seja melhor falar das consequências dos caminhos que percorremos em especial nas grandes limitações que sofremos. Esta é a nossa premissa fundamental.
Nada será conseguido pela simples imaginação ou inovação seja na política ou nos vários sectores da economia. Estamos com as mãos atadas por várias razões: as limitações financeiras do apoio internacional, pelas políticas europeias, as tendências generalizadas do liberalismo, uma globalização muito injusta entre países e pelos lobbies sejam eles de grandes empresas, de corporações ou de sindicatos.
Já falamos um pouco de todos estes aspectos e continuaremos a falar destes mas para já mais que analisar é preciso uma visão focada nas nossas capacidades em vez das circunstâncias.
Como sempre a paz podre que vingava em Portugal começa a quebrar, pois o quintal de cada um de nós começa a ficar povoado por éspecies raras por estas paragens: os responsabilizadores. Que nem homem de fraque, esse indíviduo anda á procura do caloteiro moral e financeiro, do homem que prometeu e que (des)iludiu; quer encontrar quem não disse a verdade, quem governava para quatro anos e nada mais. No entanto o caloteiro não é só o político mas também o comum cidadão que já interiorizou que a culpa também é sua por ter pedido crédito que sabia que não podia pagar, pelo menos é aquilo que durante alguns anos nos tentaram vender. Foi isto que vários comentadores querem vincular ao português médio, que foi despesista e que intimidava os bancos a conceder crédito fácil com juros muito baixos. Todos fomos aliciados para o crédito fácil, acreditamos num modelo para qual, nós que não somos génios financeiros, não conseguimos prever estava caduco. O resultado de tamanhas politicas está á vista de todos. A desregulação financeira lançada pelos governos de direita nos anos 80 e depois no inicio da 1ª década de 2000 resultaram num crescimento sem  paralelo na história mundial mas também nos levaram ao descalabro. Como não podemos responsabilizar todos aqueles que prevaricaram com dolo, ao fintarem a desregulação e em não terem antevisto as consequência da falta dela ou da sua fiscalização, então acabamos por responsabilizar todos moral e financeiramente. Pode ser que pegue diriam eles.

Afinal esta treta pegou mesmo e as consequências são estas: perdemos direito de voto sobre inúmeras matérias tanto pela situação financeira como pela cobardia de Passos Coelho e do seu governo, perdemos recursos em juros de agiota, liberdade politica sobre o nosso país e sobre os direitos pelos quais tanto trabalhamos. Ou seja foi o neoliberalismo que nos conduziu, aqui pela desregulação ou seja desresponsabilização. Para fintar a crise prescrevem nacionalizações ou seja responsabilização colectiva, depois dizem que o Estado social é insustentável e querem cortar nas despesas de Estado não por necessidade mas por é mesmo aquilo que ideologicamente pretendem, apesar de terem dito sempre que era com muita pena que cumpriam tal programa pois não queriam impor tamanhos sacrifícios ou tirar direitos ao portugueses. Pois dizem que somos preguiçosos e careiros no trabalho para o que produzimos. Enfim só quem não conhece a realidade de quem trabalha no sector privado pode dizer que o problema é a produtividade ou regalias em excesso. As regalias não existem, as poucas e más condições de trabalho precarizam-se ainda mais deitando por terra qualquer motivação para trabalhar e aquele que diz que a motivação para trabalhar mora no salário pago e não nas regalias seja elas quais forem é um verdadeiro velho do Restelo que pouco percebe do mundo do trabalho actual.

Como já referi em outro artigo, é neste país que dentro da Europa dos que se trabalha mais horas por ano e onde o custo por hora e o respectivo salário são dos menores no quadro dos 15,  que o trabalho dos outros é muito desvalorizado, aliás assim dito as duas coisas parecem ser interdependentes. Valorizar o trabalho requer respeitar o trabalhador, oferecer contrapartidas remuneratórias justas pelo empenho, justificar as regalias do topo e em duas palavras: responsabilidade e mérito.
 Neste capítulo digo que olho em volta ainda vejo uma sociedade feudal que refugia os pobres num sistema social estatal de caridade sem capacitar e responsabilizar as pessoas, deixando as fatias gordas da riqueza a um punhado de gente, muitas vezes sem mérito para tais prémios. Foi assim que nos tornámos o 2º país mais desigual da OCDE facto que pode ser complementado no seguinte site:
http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_countries_by_income_equality. Mesmo não existindo uma conclusão óbvia podemos dizer que o coeficiente de Gini é mais baixo para países mais desenvolvido o que para mim parece validar a ideia que a igualdade mais que um imperativo ideológico e não uma inevitabilidade social e económica é um facto da maior importância no nosso crescimento e que deve ser realçado numa altura em que se debate as bases da economia para os próximos anos. Acho que não devemos nos deixar convencer que tal discussão não é importante face à crise actual.
 
Até porque só num país culturalmente atrasado, que passa sem injectar, via salários, riqueza na economia nos dinamitamos como sociedade. Nenhuma sociedade injusta está realmente preparada para o futuro pois é preciso despender recursos para as massas para desenvolver a economia e para os sectores estruturantes de economia. Até aqui o neoliberalismo perde-se da sua matriz capitalista paradoxalmente conservador


Nesta senda parecemos estar ainda limitados pela política concreta. O mais recente exemplo foi uma proposta, inovadora para estes lados, de um espécie de zona franca no interior para empresas de valor acrescentado. A ideia seria ensaiar em projecto-piloto assente numa nova realidade empresarial, burocrática, fiscal e laboral para empresas inovadoras. A ideia caiu que nem um balão de chumbo depois da nega da Europa ou seja quem diz a nega da Alemanha, que já funciona com cidades e estados em objectivos idênticos mas moldes diferentes. ( para verem tamanha verdade basta contemplarem a independência de cada estado alemão tem em relação à legislação aplicável e aos regimes fiscais e legais que muitos permitem ás empresas a bem da competitividade). Mais que projectos é preciso encontrar homens de coragem capazes de sustentar projectos tão arrojados e politicamente arriscados.
É difícil encontrar tamanho homem pois no seu lugar temos homens que gerem as circunstâncias no melhor que sabem, mas que nada prometem para além de tentar evitar o horror da falência, muitas vezes dada como inevitável. (Muitos agentes e pouca acção, talvez bastasse o homem ou mulher certos para o cargo e nisto cabe todo o nosso sebastianismo mas ás vezes as pessoas certas nos lugares certos basta para muito correr bem) Os homens que planeiam e que tem visão parecem arredados do poder. Continuamos com gestores e yes men quando precisamos de founding fathers, de homens de estado que queiram fazer em vez de ser.
Abdicamos das nossas liberdades para o bem da homogenia europeia para depois as responsabilidades de uma crise, ironicamente fundada nas assimetrias económicas da Europa, caíram em saco roto. Sem liberdades financeiras ou políticas ficaremos cada vez mais arredados do nosso futuro ou pelo menos da possibilidade de reconquistar o nosso poder de decisão. Se a liderança europeia não chegar nos próximos anos pouco ou algo poderá existir da UE. Demos mais soberania do aquela que a UE poderia gerir responsavelmente e ainda mais importante de modo democrático.
È nestas alturas que precisamos de deixar cair o papel de bom aluno e reclamar o nosso direito enquanto de povo de resolver pelos meios necessários e ás nossas custas aquilo que os outros não querem ou não estão dispostos a nos ajudar a concretizar. Como disse Passos Coelho este caminho tem que ser seguido doa o que doer. Sabemos que está a doer a muita gente e que os sacrifícios ainda irão doer mais e por isto talvez seja melhor pagar mais austeridade agora para depois voltar um direito real de voto e de poder de decisão sobre o nosso país do que mais austeridade um pouco mais tarde para no em todo o caso ficarmos sozinhos e na bancarrota de qualquer modo.

Posso dizer que já demos muitos tiros no pé mas agora parecermos querer dar uma chumbada na cara, é o que dá quando se olha pelo cano da nossa arma sem a patilha de segurança posta. LOL.