domingo, 6 de maio de 2012

Noite do Porto


Na semana mais festiva da vida académica deixo-vos com esta crónica e com esta mensagem: não deixem a noite do Porto morrer, tirem as palas!


'Entre as muitas coisas que a cidade do Porto tem que a diferenciam de todas as outras, parece-me justo dizer que a noite é uma delas. E digo-o porque já saí muitas vezes à noite no Porto em do que me lembro, não tenho a menor dúvida de que não deve existir no mundo uma outra igual. Esperem lá, podem até existir noites de cidades com muito maior projecção, com eventos e festas e pessoas em número muito superior, mas igual à noite do Porto? Não pensem nisso. As pessoas falam no fado, na gastronomia, nas ruínas de Évora, nas pirâmides do Egipto como os melhores exemplos daquilo que deve ser considerado património mundial. Pois bem, eu proponho a noite do Porto. E digo-o porquê: porque nunca como agora esta noite precisa de ser protegida, tal qual o lobo ibérico. E a verdade é que a querem matar e eu não posso estar a assistir a um homicídio sem fazer nada. Por isso, o que estou a fazer é a gritar e pedir socorro como se tivesse sem pé no mar alto. A noite do Porto precisa de ser salva porque é única e autêntica, e só não vê isso quem não sai à noite. Há uma guerra ancestral entre as pessoas que se levantam às 6 da manhã e as pessoas que se deitam a essa hora, e existe uma tendência para subestimar estas últimas. Como se estas pessoas fossem irresponsáveis, como se a noite não fosse absolutamente essencial para vivermos. É mentira, o divertimento muito inerente à noite é essencial para vivermos. E se repararem bem, são sempre os mais velhos que nos dizem para nos divertirmos em qualquer situação. Se dizemos que vamos viajar, lá nos dizem: diverte-te. Se vamos a um casamento: diverte-te. Se vamos a um funeral: diverte-te. E isto, porque eles sabem. Eles perceberam que a vida sem diversão não faz sentido. E uma cidade também não. Uma cidade sem diversão é uma cidade morta e quando surge uma lei – e surgiu – que obriga os bares do Porto a fecharem às 2 da manhã e as discotecas às 4, é isso que querem: matá-la.

Querem esganar a noite do Porto com a força toda, com as duas mãos, até que o pescoço fique roxo e ela se estenda pelo chão aos rebolões. Dizem-me que incomoda alguns moradores? Então que tal colocarem mais segurança nas ruas, mais insonorização nos estabelecimentos, mais medidas que civilizem e harmonizem a zona de que falamos? Dizem que os hábitos têm de mudar, que temos de ser como os ingleses, como os irlandeses, que vão do trabalho para a noite e às 2 da manhã já estão em casa. Com os bonitos resultados que se conhecem, de resto. Mas esperem lá, eu não estou na Irlanda nem em Inglaterra. Se há coisas de que eu me lembro todos os dias é que vivo em Portugal e sou português. E porquê? Porque o país me obriga a isso. E esta coisa de ser português, pode ter – e tem – algumas contrariedades, mas também tem muitas vantagens. E uma delas é justamente sermos como somos, com tudo o que isso possa ter de bom e mau. Mas somos. E há países que não são nada, nem carne nem peixe, nada. E a noite em Portugal é assim: sai-se do trabalho, vai-se a casa mudar de roupa, é o banho, são os dentes, é o perfume, e agora sim, aí vamos nós. E é assim que tem de ser. Ir para a noite directamente do trabalho é como ir para o ginásio correr na passadeira com o fato e a gravata. Isto é, não tem qualquer sentido. E, por isso mesmo, não tem de deixar de ser assim. É assim. E é óptimo. E querem matar a noite do Porto e eu não quero que isso aconteça. Por isto. Porque demorou muito tempo até que o Porto conseguisse ter um pulmão nocturno tão forte quanto é toda a zona das galerias e dos Clérigos. Foram precisos anos, ouçam, anos!, para que vários movimentos absolutamente independentes conseguissem reunir-se numa zona e transformá-la no maior pólo de diversão da cidade. A nova lei não olha a isso, não percebe a importância disso, está-se a marimbar para as pessoas que vivem da noite mas, em muito maior número, aos que se divertem com ela. A nova lei vai destruir todo esse trabalho e vulgarizar de novo a noite. É uma pena, e talvez por isso, em vez da noite, eu declaro morte ao Sol.

Fernando Alvim'



Pedro von Hafe Leite