Ontem morreu o Dr. Nuno Grande, amanhã será o seu funeral.
Se calhar muitos jovens alunos do ICBAS só o
conhecem de uma aula de Neuroanatomia. Mas o Nuno Grande é o ICBAS, todo o
ambiente que subjaz nesta faculdade deve muito à entrega, à dedicação, à
ideologia deste Homem, que quem o conhecia bem o descreve como uma pessoa
ímpar!
Infelizmente eu sou um daqueles que só o
conhece através dessa aula e que o conhece através da atmosfera que sempre
esteve presente, principalmente nas paredes do 'velho' ICBAS. Por isso
deixo-vos com alguns testemunhos de pessoas que o conhecerem melhor que eu,
tentando, desta forma, perpetuar o trabalho e a ideologia de uma vida.
Júlio Machado Vaz:
"Mestre e Amigo.
Partiu Nuno Grande.
Lembro ralhetes carinhosos
pelos corredores do ICBAS - "você nunca me fez a vontade...". Com efeito,
amei o Ensino em abstracto e os alunos em particular, mas a Cátedra não me
atraiu. Ele teve caminho atribulado a caminho da sua, vejo-o a preparar uma
Lição - e nunca a palavra se justificou tanto... - em casa de meus Pais, sem me
aperceber do que o seu brilho
faria das notas
breves, tomadas em amena cavaqueira. E o Anfiteatro rendeu-lhe a primeira
homenagem ouvindo-o num silêncio religioso, para depois rebentar numa salva de
palmas entusiástica, quem decretou a Medicina alheia à Cultura? A política
universitária é conservadora, todos sabíamos que não ficaria à frente de outro
distinto professor, Pinto Machado, a quem devo amizade e paciência evangélica
no exame de Anatomia, até o cadáver tinha os nervos em franja..., perante o
triste espectáculo dos meus:). Portanto, no que ao mérito relativo dizia
respeito, estávamos conversados. Mas, para enorme surpresa indignada, houve
votos contra em mérito absoluto. Cheguei a casa e explodi à mesa, o meu querido
Velho sorriu com amargura e disparou - "aquele aplauso não ajudou
nada...". Ah, as delícias do voto secreto, permite abraçar o candidato que
há minutos, com mesquinhez, se maltratou! Momentos e gente houve que, a
posteriori, me fazem abastardar o título do programa dos Gatos - "Dizem
que é uma espécie de Universidade:(."
Professor Nuno - dê um
abraço ao Pai e guarde outro para si. Apertado e grato.."
José
Mariano Gago:
"Mas posso testemunhar o papel singular de Nuno Grande,
médico e universitário empenhado em apoiar com todas as suas forças o desenvolvimento
científico do País. Recordo a presença activa e constante pelo menos desde as
Jornadas Nacionais de Ciência e Tecnologia de 1987 e a coragem com que deu a
cara em muitos momentos difíceis desde então.
A persistência para a
melhoria dos cuidados de saúde, do ensino médico e da investigação, associada à
pulsão da intervenção cívica, tornaram-no uma figura singular na sua cidade e
no País, e contribuíram, pelo exemplo, para enraizar na sociedade a ideia de
que a ciência, toda a ciência, age em nome do bem comum, é indissociável da
democracia, da justiça social, da liberdade, e que sem desenvolvimento
científico não há futuro."
Bruno Maia:
"Para quem passou 6 dos
mais importantes anos da sua curta vida no velho edifício das “Biomédicas”,
Nuno Grande não é um ídolo, não é um ícone e não é mito! Nuno Grande é o nome
que ecoa nas paredes e nos recantos do edifício e das almas que por ele passaram
– quer dizer conhecimento, quer dizer dedicação, quer dizer democracia, quer
dizer diversidade do saber, quer dizer partilha e solidariedade no trabalho, na
ciência, nas instituições e na sociedade em geral.
Estive na última aula do Professor Nuno
Grande antes da sua jubilação – foi-nos falar do nervo facial e de como,
sentado no seu sofá, se auto-diagnosticou com um tumor que comprimia aquele
nervo e sozinho, sem contar à família, foi ao Hospital de Santo António para
ser operado de imediato. Era assim, um Homem que conta uma história simples,
que olha a vida com senso, procurando ao máximo a verdade nas coisas, ou
melhor, procurando a melhor das verdades pois ele sabia perfeitamente que não
há só uma. E mesmo com todo o senso do mundo e o mais racional dos discursos,
adivinhava-se facilmente que os olhos brilhavam de entusiasmo tanto quando
falava de um nervo craniano como quando falava do perigo da ameaça
nuclear."
Fica aqui também um link com um documentário que aconselho a toda a gente, mas especialmente, aos novos alunos de Biomédicas!
Pedro von Hafe Leite